sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ronaldo Sant’Anna: Curiosidades de um estudante de Jornalismo em plena Ditadura Militar

Lilian Demo - 1º semestre

Jornalista, formado na década de 90 e mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, o professor Ronaldo Amorim Sant’anna é coordenador da Agência Modelo de Comunicação Integrada (AGCOM) – Mídia Eletrônica, da pós-graduação em Cibermídia e professor dos cursos de Comunicação Social – Jornalismo e Publicidade e Propaganda.

Iniciou a formação acadêmica no ano de 1969, época em que a Ditadura Militar ainda governava o Brasil. Neste mesmo ano, acontecia a maior efervescência do movimento estudantil no País e os estudantes de Jornalismo estavam entre os mais atuantes nas manifestações contra a Ditadura. As passeatas realizadas por eles eram reprimidas de modo violento pela Brigada Militar. Muitos estudantes jogavam bolinhas de gude no chão, a fim de derrubar os cavalos dos policiais, entre outras ações.

Na entrevista abaixo, o professor conta essas e outras histórias.

Você começou a graduação em 1969 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas só terminou na primeira metade da década de 90 na PUC. Por que isso?

Eu comecei a faculdade, fiz um ano de curso e fiz a bobagem de parar, até porque na época o curso era só três anos. Enfim, parei alguns anos e fui trabalhar na área de comunicação. Quando eu voltei, fiz apenas algumas matérias, pois havia matérias obrigatórias que tinham aula durante o dia e eu não podia porque tinha que trabalhar. Um dia decidi que tinha que terminar o curso e pedi transferência para a PUC. Terminei o curso, o mestrado e agora estou terminando a tese do doutorado.

Fazer graduação em Jornalismo em plena época da Ditadura Militar influenciou na sua formação profissional? De que maneira?

Eu comecei Jornalismo em 1969 e acho que sim porque 69 foi a efervescência do movimento estudantil, até mesmo pois em 1968 teve o AI5, que fechou tudo, deu poder total ao Governo. Tinha censura nos jornais, na televisão, no rádio, então tínhamos um objetivo grande que era derrubar a Ditadura.

Você participou de alguma dessas manifestações?

Sim, fizemos passeata, apanhamos no Centro de Porto Alegre. Enfrentávamos a Brigada Militar, que é a Policia Militar lá da cidade. Eu mesmo joguei bolinha de gude para os cavalos dos policiais caírem, fizemos muita coisa. Nessa época, o Jornalismo ainda nem era um curso autônomo, fazia Filosofia e uma das habilitações era o Jornalismo. O curso funcionava exatamente no prédio da reitoria da UFRGS. Normalmente, nós alunos de Jornalismo éramos os mais conscientes do ponto de vista político, andávamos sempre fazendo passeata, saíamos da universidade e íamos até o Centro de Porto Alegre.

Como era o clima na faculdade nessa época. Vocês, alunos, tinham medo de sofrer retaliação depois de formados ou ainda como alunos?

Nós passávamos era a violência por parte da Polícia. Várias vezes a universidade foi cercada, teve agressões, as manifestações eram reprimidas. A questão dos alunos infiltrados, de policiais infiltrados nas turmas para denunciar a atividade política. Em todos os cursos da Filosofia, normalmente tinha alguém que era infiltrado. Alguns nós conseguíamos descobrir, outros não. Até o jornal Zero Hora há uns dois meses fez uma série de matérias chamando exatamente disso, de “Os Infiltrados” os homens que eram da Polícia no Rio Grande do Sul e que contaram as histórias deles infiltrados no embrião do MST, nas universidades. Agora resolveram contar a sua história.

Como vocês descobriam quem eram essas pessoas e como era a reação dos alunos depois dessa descoberta?

Descobria por observação. Quando o cara era muito certinho. Porque o Jornalismo, principalmente na UFRGS, era muito rebelde e meio alternativo. Alguns andavam de cabelo comprido. E aí descobríamos pelo papo ou às vezes o cara que conhecia e dizia: ‘Ó, aquele ali é policial’. Não tinha muito o que fazer. Isolávamos o cara mesmo porque a Polícia não entrava na sala, nas aulas. Era tudo muito no entorno.

Havia algum tipo de controle do que era falado em sala de aula? Os professores tomavam cuidado?

Eu me lembro de dois professores. Um lecionava Direito no Jornalismo e o outro eu não me lembro qual era a matéria, mas os dois eram meio simpatizantes do golpe. Eles achavam que o golpe tinha livrado o Brasil do comunismo. Alguns professores tinham certo cuidado em tratar de alguns assuntos na aula, mas a maioria falava abertamente, até porque eram jornalistas, então tinham uma consciência política mais desenvolvida, mais noção de que o golpe era uma Ditadura e falavam em aula sem maiores medos.

Conheceu algum profissional da área do Jornalismo que acabou desaparecendo tempos depois? Quem?

Não. Dos meus professores, nenhum. Só um foi detido uma época, foi interrogado e depois liberado.

Dos profissionais que trabalharam com você, algum deles foi detido?

Vários. O Luiz Cláudio Cunha foi o cara que denunciou o sequestro do casal uruguaio (Lilian Celiberti e Universindo Diaz). Foi detido e interrogado. Teve também dois colegas que foram para a guerrilha. Ela eu nunca mais tive notícias e ele eu soube há uns dois anos que está na Suíça. Tinha casado e estava voltando para o Rio Grande do Sul, mas não cheguei a falar pessoalmente com ele.



Existe alguma história curiosa que você tenha presenciado ou tenha vivido ao longo da carreira que marcou e que gostaria de contar aos nossos leitores?

Curiosidade não. O Jornalismo é uma coisa muito dinâmica. Tem muitas histórias, muita coisa diferente. Eu estava comentando esses dias com as minhas estagiárias aqui que eu morro de saudades de fazer matéria. Estar na rua, que é uma coisa que eu sempre gostei de fazer e hoje tenho um trabalho mais fechado, mais administrativo. O que eu acho interessante é que, da minha turma, praticamente todos. Com exceção de dois que hoje são empresários e uma outra que virou psiquiatra, o resto todos foram para o Jornalismo. Conquistaram postos importantes dentro da profissão. Eu conheço vários que juntaram a experiência do mercado com o conhecimento acadêmico e hoje são professores, mestres, doutores. Estão muito bem dentro da profissão, o que significa que fizeram uma escolha legal, interessante, que cresceram porque estavam fazendo uma coisa que gostam. Eu digo constantemente que trabalho muito, mas me canso pouco porque estou fazendo uma coisa que eu gosto, uma coisa que eu adoro fazer.

Você comentou na sala de aula que uma época trabalhou com campanhas políticas. O que mais marcou desse tempo?

O que eu mais gostava de fazer era dirigir vereador. A direção da gravação de campanha política dos candidatos a vereador. Muitíssimo engraçada. A gente se mata de rir. Alguns dos candidatos são semianalfabetos. Então, tem casos, assim, fantásticos. Tinha um cara que o apelido era Huck. O cara com uma mão do tamanho de um pilão. Chegava: “Eu sou o Huck”. Um outro a gente fazia o que chamamos de dália, que é um cartaz e coloca do lado da câmera. O cara não sabe dizer o texto. Era só colocar ali, ele lia texto e diz: “Eu sou fulano de tal. Eu quero fazer isso e meu numero é tal”. Certa vez, nós fomos lá, colocamos o cara no lugar. Olha luz, olha áudio. “Está tudo certo? Então vamos lá!”. Aí o cara falou: “Eu sou fulano de tal, meu nome é tal, quero fazer isso e meu número é tal”. “Está ok? Verifica a fita. O senhor pode sair”. “Posso dizer uma coisa? Meu nome não é esse aí não”. Deram o cartaz errado para ele e ele leu. Mandaram ele ler o que estava escrito e ele leu. Ainda veio todo tímido falar que: “Ó, meu nome não é esse aí”. Caso ele não tivesse falado, iria errado para o ar e o povo que conhece o cara ia acabar olhando lá ele e vendo a imagem certa, com o nome, a proposta e o número errado. Imagine o nível de ignorância do cara que colocam ali pra ele ler e não é capaz de dizer: “Olha, eu sou fulano e esse aí é o cartaz de sicrano. Esse aí deve estar errado. Olha, divertidíssimo”.

Dessa época de reportagem na rua que você falou que fazia e que gostava, teve algum caso que marcou mais, que gostasse mais?

A que mais marcou foi uma invasão do MST em uma fazenda no interior do Rio Grande do Sul, que nós fomos e ficamos três dias lá e conseguimos entrar da fazenda. A Brigada Militar iria invadir, cercou tudo. Os caras do MST colocaram algumas estacas de madeira com ponta. O clima era quase de guerra mesmo. Fizemos contato com um cara do MST e entramos escondidos na fazenda para entrevistar algumas pessoas e por sorte não houve um confronto, pois os invasores saíram antes da Brigada invadir. Mas foi um momento de muita tensão porque a qualquer momento a brigada podia invadir e seria o caos lá dentro. Certamente, iria morrer gente porque havia pessoas ali de dentro do MST armadas e o pessoal de a Brigada consequentemente também estava fortemente armado. Mas, por sorte, não foi preciso. A direção do MST resolveu sair da fazenda antes do confronto. Assim, as coisas se resolveram rapidamente.

E nesse trabalho mais administrativo, o que você faz o que você mais gosta nele?

Eu acho bom porque eu tenho vários estagiários, tem o pessoal que faz o programa sobre os projetos de extensão do Unisul Comunidade. Tenho outros dois estagiários que fazem matérias para a Unisul TV, que é o Câmera Aberta. Então, é interessante ver o crescimento deles, dar dicas para que eles consigam fazer bem o trabalho deles.É bastante gratificante ver alguém que entra com pouco ou nenhum conhecimento e sai daqui direto para o mercado, como tem vários que saíram daqui e já foram contratados direto.

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